Vejam que incrível este texto de Chico Xavier, escrito aos
20 anos de idade ! Se naquela época a preocupação dele se voltava à Igreja de
Roma; bem que hoje poderíamos repetir o seu conteúdo ao próprio movimento
espírita organizado. Que nos sirva de profunda reflexão sobre nossos caminhos!
APASCENTAR OVELHAS
Baseada nesta apóstrofe de Jesus ao apóstolo – “Pedro, apascenta as minhas
ovelhas” –, irroga-se a Igreja Romana no direito de ser a única mentora das
almas em todo o orbe terráqueo. E o seu exclusivismo vai ao limite de
anatematizar o próprio bem quando nasce entre aqueles que não se acham de acordo
com os seus dogmas e artigos de fé. Desconhece, as mais das vezes, que o
verdadeiro discípulo de Cristo é como o samaritano da sua parábola, que não
pertence a nenhuma casta religiosa.
Afinal, o que é apascentar ovelhas, tarefa essa que o Pastor divino frisou com a
máxima relevância? Seria saciar-lhes com o pão simbólico da eucaristia que a
Igreja afirma conter o corpo e o sangue de Jesus Cristo transubstanciados?
Nunca! Apascentar ovelhas é prodigalizar-lhes o alimento da alma e
dessedentar-lhes com a água viva dos bons exemplos, dos melhores
exemplos!
Nada vale a prédica sem a demonstração prática do método a seguir. Que valor
possui o mais ornamentado sermão de Vieira e toda a eloquência de um
Mont’Alverne para uma alma que padece de todos os sofrimentos, sem conhecer
caridosos cirineus para auxiliar-lhe a suportar o peso da cruz das provações
remissoras?
Portanto, apascentar ovelhas é ofertar-lhes o amor em gestos inesquecíveis. O
pastor de almas é obrigado a mostrar-lhes a própria luz em si, se não quer que
suas ovelhas tresmalhadas se despenhem sobre abismos inestricáveis.
Vejamos a Igreja, instituição venerável que, santificada com o sangue dos
mártires do Cristianismo, foi humanizada pelos homens.
Por que é que Martinho Lutero fundou a Reforma? É que como membro da Igreja de
Roma sonhara-a como seguidora irrepreensível da humildade de Jesus e, ao
reconhecer as suntuosidades de que vivia rodeado o maior representante de Cristo
na Terra, e lançando um olhar retrospectivo ao passado do Nazareno, viu bem que
ali se encontrava a antítese do filho de Maria.
Por que se divorciaram da Igreja a maioria dos idealistas e filósofos, dos
cultores das ciências e das artes? É porque ela não suporta análise. Presa à
opinião dos seus teólogos, não aceita as deduções científicas e as sugestões dos
pensadores mais profundos.
As torres das suas catedrais maravilhosas rasgam as nuvens. O seu interior
deslumbra-nos com a magnificência de suas disposições. Lá dentro, porém, não se
recebem os mendigos, os andrajosos, os cegos, os leprosos, os orfãozinhos e toda
a classe de sofredores que formam o fundo do quadro incomparável da vida de
Jesus. Ali acorrem os que possuem o terror do inferno e os que não têm a devida
coragem moral para romper com as convenções sociais.
A Igreja, portanto, desviou-se dos seus deveres. Não tem apascentando as ovelhas
do sumo Pastor. Antes, submergiu-as num acervo de ritualismos e exterioridades,
pouco se lhe dando que sejam iluminadas de vida interior. E daí a desilusão dos
que refletem verdadeiramente, amando a verdade.
Ela
não satisfaz aos sinceros, sedentos de luz, porque não tem para dar o pão que
alimenta a alma, a água que sacia o espírito. Enervada pelas vanglórias do
mundo, embriagada pelo desejo de domínio, a Igreja separou-se do reino do céu,
fundando o seu no mundo da carne, e não se congraçará à “terra prometida” que
Jesus fazia vislumbrar aos que o rodeavam, enquanto não se convencer de que as
palavras sem a verdadeira exemplificação são sementes tão áridas que se
convertem em fontes inesgotáveis do mais entranhado dos ateísmos.
F.
Xavier
16
de março de 1931
Livro:
Chico Xavier – A Aurora de Uma Vida Entre o Céu e a Terra
Francisco Cândido Xavier, por Espíritos Diversos,
organização de João Marcos Weguelin
Vinha de
Luz Editora
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